Conforme os impactos do Covid-19 se espalham e tomam conta do noticiário mundial, estamos presenciando e vivenciando a explosão paralela da inquietação, ansiedade e instabilidade. O fato é que, nas crises, nosso estado mental parece intensificar uma situação que já é bastante desafiadora e se torna um obstáculo em si mesmo. Por que isso acontece e como podemos mudar isso? Como CEO de uma empresa que leva mindfulness para outras companhias desbloquearem novas formas de pensar e trabalhar, quero falar um pouco sobre como a mente responde às crises, como por exemplo, a ameaça de uma pandemia.

Mesmo sem uma enxurrada constante de notícias ruins ou preocupantes, a tendência natural de sua mente é perder o foco. Nossa pesquisa mais recente descobriu que 58% dos funcionários reportam sua incapacidade em coordenar a atenção no trabalho. O estudo mostra que a mente rapidamente se prende em padrões e pensamentos negativos ao divagar. Durante os tempos de crise — como o que estamos vivendo agora — essa tendência é amplificada e a mente pode ficar mais propensa a pensamentos obsessivos e sentimentos de medo e desalento. É por isso que lemos história atrás de histórias, todas horríveis, de passageiros em quarentena dentro de navios de cruzeiro, mesmo que jamais tenhamos colocado os pés em um, ou planejemos fazê-lo.

Quando nossa mente fica presa neste estado, uma reação em cadeia tem início. O medo afunila nosso campo de visão e é cada vez mais difícil enxergar uma perspectiva geral e alternativas positivas e criativas à nossa frente. Quando a perspectiva se encolhe, o mesmo acontece com a nossa tendência de conexão aos outros. Neste momento, a realidade de como o coronavírus está se espalhando rapidamente pode alimentar nossos piores receios em relação aos outros e aumentar nosso desejo de isolamento, o que só faz contribuir para que nossos receios se intensifiquem.

Assistindo o desenrolar da confusão do último mês, lembrei-me da velha parábola budista da segunda flecha. Buda perguntou a um aluno: “Se uma pessoa é atingida por uma flecha, vai doer? Se essa pessoa é atingida por uma segunda flecha, vai doer ainda mais?” Ele, então, explicou, “Na vida não podemos controlar a primeira flecha. No entanto, a segunda flecha é nossa reação à primeira. Com essa segunda flecha vem a possibilidade de escolha.”

Atualmente, estamos todos vivendo a primeira flecha do coronavírus. Fomos impactados pelas restrições de viajar, preços das ações despencando, escassez de suprimentos etc. No entanto, a segunda flecha — a ansiedade sobre se vamos contrair o vírus e se aqueles que amamos serão infectados, preocupações sobre as implicações financeiras e todos os outros cenários sombrios que inundam as notícias e as mídias sociais — é em grande parte, criada por nós mesmos. Resumindo, a primeira flecha causa a dor inevitável, e nossa resistência a ela cria terreno fértil para todas as segundas flechas.

É importante lembrar que essas segundas flechas — nossa resposta emocional e psicológica às crises — são apenas naturais e humanas. Porém, a verdade é que, geralmente, nos trazem mais sofrimento ao limitar e confundir nossa mente e nos impedir de ver com clareza o melhor curso de ação.

A maneira de vencermos esta tendência natural é construir resiliência mental através de mindfulness. A resiliência mental, especialmente em épocas desafiadoras como a atual, significa ser capaz de administrar a mente para melhorar nossa habilidade em enfrentar a primeira flecha e quebrar a segunda, antes que nos atinja. A resiliência é a habilidade de perceber nossos pensamentos, desligando os que não são construtivos, e rapidamente buscando o nosso reequilíbrio. Essa habilidade pode ser cultivada e treinada. A seguir, três estratégias eficientes:

Primeiro, acalme a mente.

Quando seu foco é acalmar e esvaziar sua mente, você consegue prestar atenção naquilo que realmente está acontecendo ao seu redor e dentro de você. Você pode observar e administrar seus pensamentos e “prendê-los’’ quando começarem a fugir em direção a cenários “fim de mundo’’. Você pode manter o foco naquilo que escolher (por ex.: “É uma dádiva poder trabalhar em casa!”) em vez de se fixar em cada nova notificação que chega até você (por ex.: “Ah, não… a bolsa caiu novamente.’’).

Esse estado calmo e presente é fundamental. Neste momento, ajuda-nos a evitar que a mente vague e fique presa, diminuindo os poços de estresse e preocupação nos quais normalmente nos afundamos. Mais importante ainda, a prática contínua de soltar e focar nossa mente constrói a musculatura da resiliência que irá nos ajudar dia após dia. Quando treinamos voltar ao momento presente, melhoramos nossa capacidade de superar todo tipo de crise, sejam elas mundiais ou pessoais. (Felizmente há uma grande quantidade de aplicativos gratuitos disponíveis para ajudá-lo a manter sua mente calma e aumentar sua mindfulness.)

Olhe pela janela.

O desespero e o medo podem levar a reações exageradas. Muitas vezes, é melhor fazer alguma coisa… qualquer coisa… em vez de ficar sentado, com sentimentos desconfortáveis. Nas últimas semanas, fiquei decepcionado e frustrado por causa de projetos importantes de negócios que foram negativamente impactados pelo Covid-19. Porém, tenho tentado lidar com essa frustação através da reflexão, e não, com reações imediatas. Sei que minha mente precisa de espaço para se desprender das más notícias e se acalmar em um lugar mais estável, onde o bom planejamento e a liderança possam aflorar. Sendo assim, estou tentando trabalhar menos e passar mais tempo olhando pela janela e refletindo. Ao fazer isso, tenho conseguido encontrar respostas mais claras sobre como seguir adiante, tanto como pessoa quanto como líder.

Conecte-se com as pessoas pela compaixão.

Infelizmente, muitos dos centros comunitários que oferecem apoio em épocas de estresse estão fechados, pois as cidades e governos estão trabalhando na tentativa de conter o vírus. As escolas estão fechadas, eventos foram cancelados e as empresas aderiram às práticas de trabalhar de casa e de proibir viagens. O subproduto natural disto é a crescente sensação de isolamento e de separação das pessoas e dos grupos que geralmente acalmam a ansiedade e o medo.

O clima de apreensão do momento pode criar estigmas e julgamentos sobre quem é culpado e quem deve ser poupado, junto com a mentalidade e o comportamento de sobrevivência do “cada um por si”, ambos sombrios. Podemos assim, esquecer facilmente que compartilhamos nossa vulnerabilidade e nossa interdependência.

No entanto, conexões significativas podem ocorrer mesmo quando se recomenda dois metros de distância social entre você e seu vizinho — e tudo começa com a compaixão. A compaixão é a intenção de ser útil aos outros, e tem início em nossa mente. Falando de forma prática, a compaixão começa quando você se faz uma pergunta ao longo do dia e se conecta — virtualmente ou ao vivo — com os outros: Como posso ajudar essa pessoa a ter um dia melhor?

Com essa pergunta tão simples, coisas incríveis começam a acontecer. A mente se expande, os olhos se abrem para quem e o que está realmente diante de nós, e enxergamos então, possiblidades para nós e para os outros, que são ricas em esperança e repletas de oportunidades.

Rasmus Hougaard é o fundador e diretor geral da Potential Project, uma empresa global de liderança e desenvolvimento organizacional que trabalha para a Microsoft, Accenture, Cisco e centenas de outras empresas. Publicou seu segundo livro, The mind of the leader – how to lead yourself, your people and your organization for extraordinary results, em conjunto com a HBR, em março de 2018.

Jacqueline Carter é sócia e diretora para a América do Norte do Potential Project. É coautora do livro The mind of the leader – how to lead yourself, your people and your organization for extraordinary results(HBR Press, 2018) com Rasmus Hougaard, assim como é também coautora de seu primeiro livro juntos, One second ahead:enhancing performance at work with mindfulness.

Via:
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